por
Felipe Leal e Charbel Niño El-Hani
(Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências
Biológicas, IB-UFBA)
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O brigue HMS Beagle foi lançado à água no dia
11 de Maio de 1820 nos Estaleiros Navais de Woolwich, às
margens do Rio Tâmisa. Em Julho de 1820, foi o primeiro navio
a navegar por debaixo da nova Ponte de Londres, durante parada naval
realizada por ocasião da coroação de Jorge
IV como rei da Inglaterra. Adaptado em 1825 para a função
de navio hidrográfico, o Beagle passou a ser usado posteriormente
em viagens de exploração de longo curso, desempenhando
um papel no esforço britânico para mapear os oceanos
do mundo, com interesses estratégicos e comerciais. Com esta
função, fez três expedições. Na
segunda destas expedições, levou a bordo o jovem naturalista
Charles Darwin (1809-1882), cujo trabalho durante a viagem e realizações
posteriores, como a proposição da teoria darwinista
da evolução, fariam do modesto HMS Beagle um dos navios
mais famosos da história.
Primeira
Expedição
• O Beagle partiu para sua primeira
expedição em 22 de Maio de 1826, tendo como comandante
o capitão Pringle Stokes. A missão do navio consistia
em acompanhar um navio de maiores dimensões, o HMS Adventure,
comandado pelo capitão australiano Philip Parker King (1791-1856),
numa viagem que tinha como objetivo realizar um levantamento hidrográfico
das águas costeiras da Patagônia e da Terra do Fogo.
Tratava-se de um objetivo estratégico para os interesses
da Inglaterra, na medida em que possibilitaria um caminho alternativo
para as Índias orientais, através da extremidade da
América do Sul.
• Tendo de enfrentar a parte mais difícil do levantamento
hidrográfico das costas desoladas da Terra do Fogo, o capitão
Pringle Stokes entrou em depressão profunda e, em Agosto
de 1828, tentou o suicídio com uma arma de fogo. Ele veio
a falecer 11 dias depois.
• Diante da morte do capitão Pringle Stokes, o capitão
Parker King entregou o comando interino do Beagle ao tenente W.
G. Skyring. Navegaram até ao Rio de Janeiro, onde o contra-almirante
Sir Robert Otway, comandante-em-chefe da esquadra britânica
na América do Sul, nomeou como comandante interino do Beagle
o tenente Robert Fitz Roy (1805-1865), que exercia as funções
de seu ajudante. Fitzroy assumiu o comando do Beagle em 15 de Dezembro
de 1828.
• Num incidente ocorrido durante a exploração
da costa da Terra do Fogo, um grupo de indígenas de uma das
etnias da Terra do Fogo roubou uma das embarcações
do navio. Na tentativa de recuperar a embarcação,
FitzRoy tomou alguns fueguianos como reféns, em princípio,
até a devolução da embarcação.
Contudo, ele terminou levando consigo para a Inglaterra quatro fueguianos,
o que desempenharia papel inesperado na história do Beagle
e do próprio pensamento evolutivo. Sua idéia, como
homem religioso que era, consistia em cristianizar os fueguianos.
O Beagle aportou em Plymouth, na Inglaterra, em 14 de Outubro de
1830, concluindo sua primeira viagem de exploração.
Ele trazia a bordo os fueguianos trazidos por Fitz Roy.
Segunda
Expedição
• Uma vez na Inglaterra, Fitz Roy exibiu
três dos fueguianos – já que um havia falecido
– numa série de eventos sóciais, chegando a
levá-los à corte inglesa. Não era algo excepcional
que fizesse isso. De fato, naquela época, era muito comum
a exibição de pessoas de outras etnias na Europa e
mesmo em paises então mais periféricos, como os Estados
Unidos. Era uma época marcada por uma visão profundamente
eurocêntrica da diversidade humana. Quando o interesse pelos
fueguianos diminuiu, Fitz Roy os levou para uma propriedade rural
de um amigo. Contudo, diante de um crescente interesse do mais velho
dos fueguianos por uma fueguiana que era ainda uma púbere,
Fitz Roy ficou muito preocupado com as repercussões que um
possível envolvimento entre os dois poderia ter para sua
reputação. Ele se decidiu, então, a devolver
os fueguianos à sua terra natal. Mas como fazer isso? Daí
veio a idéia de uma nova expedição do Beagle,
que não estava nos planos da Marinha Britânica. Fitz
Roy conseguiu convencer a marinha, contudo, e em 1831 o Beagle partiu
em nova expedição, na qual Fitz Roy empenhou parte
significativa da fortuna de sua família. É um fato
curioso da história, assim, que a segunda expedição
do Beagle, que, levando a bordo Charles Darwin, haveria de ter conseqüências
de amplo alcance para a humanidade, não deveria em princípio
ter ocorrido.
Tendo decidido pela realização de mais uma expedição
do Beagle, a marinha incumbiu Fitz Roy de completar o levantamento
da costa da América do Sul feito pela expedição
anterior do Adventure e do Beagle. Feita uma série de alterações
para tornar o navio mais seguro para a navegação em
mares atribulados, o Beagle estava pronto para partir. Contudo,
tendo em conta o suicídio do capitão Pringle Stokes,
bem como o fato de que um de seus tios também havia e matado,
Fitz Roy desenvolveu uma séria preocupação
de que pudesse ter o mesmo destino. Para combater a solidão
dos longos dias que passariam no mar, ele tentou encontrar um companheiro
de viagem, com perfil adequado aos seus gostos aristocráticos.
A busca por tal companheiro de viagem levou ao recrutamento de Charles
Darwin, então um jovem estudante, o que transformou, de forma
inadvertida, aquilo que seria mais uma viagem hidrográfica
feita por um pequeno navio, numa viagem histórica que transformou
o Beagle em um dos navios mais famosos da história. Estava
previsto que o Beagle partiria em 24 de Outubro de 1831, mas atrasos
diversos nas reformas que ele estava sofrendo atrasaram a sua saída
para o mar até Dezembro daquele ano. Uma primeira tentativa,
feita a 10 de Dezembro, não foi bem sucedida, devido ao mau
tempo. Finalmente, a 27 de Dezembro, por volta das 2 horas da tarde,
o Beagle deixou o porto de Plymouth, iniciando a sua histórica
viagem. A viagem, que deveria durar três anos, terminou durando
cinco. O Beagle chegou a Falmouth, na Inglaterra, em 2 de Outubro
de 1836, depois de uma circunavegação da Terra, numa
das maiores viagens de exploração já empreendidas.
Fitz Roy havia devolvido os fueguianos à sua terra natal,
além de realizar uma série de estudos, que relatou
nos três primeiros volumes sobre a segunda expedição
do Beagle. Darwin, que havia embarcado como um desconhecido em 1831,
era já um naturalista reconhecido ao retornar, em virtude
dos trechos de seu diário de bordo e dos espécimes
fósseis, das amostras de rochas e outros materiais de interesse
científico que recolheu ao longo da viagem. Ele havia enviado
esses materiais e relatos para a Inglaterra, aos cuidados de seu
ex-professor John Stevens Henslow, que os apresentara em reuniões
de sociedades científicas, garantindo reconhecimento ao seu
pupilo, que havia viajado no Beagle por sua indicação.
Darwin reuniu suas observações e idéias decorrentes
da viagem no quatro volume sobre a expedição, que
viria a ser conhecido como A Viagem do Beagle. A partir dali, construiria
sólida carreira como naturalista, vindo a ser um dos construtores
da teoria da evolução que, até hoje, fornece
as bases para nossa compreensão sobre a diversidade biológica
e suas origens. Fitz Roy, por sua vez, seguiria em carreira muito
mais errática, terminando por suicidar-se em 1865, aos 60
anos.
Terceira
Expedição
• Seis meses mais tarde, em 1837, o
Beagle partiu em nova expedição, desta vez para fazer
o levantamento hidrográfico de algumas partes da costa da
Austrália. O navio viajou sob o comando de John Clements
Wickham, que havia sido tenente na segunda expedição.
A terceira e última expedição do Beagle acabou
em 1843, com o regresso do navio ao estuário do Tâmisa.
Anos
Finais
• Em 1845, o Beagle foi transformado
num navio estático de vigilância costeira e entregue
às autoridades fiscais para combate ao contrabando na costa
de Essex e na margem norte do estuário do Tamisa. Já
sem condições de navegação, foi ancorado
no rio Roach, que é parte de um labirinto de canais nos pântanos
ao sul de Burnham-on-Crouch. Em 1851, ele foi removido, porque estava
obstruindo o rio e, naquele mesmo ano, uma lista da Marinha Britânica
o apresentava renomeado como "W.V. No. 7". Investigações
iniciadas em 2000 por uma equipe liderada por Robert Prescott, da
Universidade de St. Andrews, levaram a documentos que confirmavam
que "W.V. No. 7" era o Beagle.
Fontes:
• Darwin, C. R. 1839. Voyage of the
Beagle. London: Henry Colburn. Disponível em The Complete
Works of Charles Darwin online, em http://darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=F10.3&viewtype=side&pageseq=1
Acessado em 12 de março de 2009.
• HMS Beagle. Wikipedia. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/HMS_Beagle
Acessado em 12 de março de 2009.
• Nichols, P. 2004. Evolution's Captain: The Story of the
Kidnapping That Led to Charles Darwin's Voyage Aboard the Beagle.
Harper Perennial. |